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Diário de um estudante de veterinária #2
Em julho do ano passado, eu decidi que tomaria um rumo na minha faculdade, e resolvi fazer estágio no HV. Então eu ia, por duas semanas, toda feliz para o meu estagiozinho na Clinica Médica de Pequenos Animais.
Um belo dia, no período da tarde (onde eram atendidos apenas casos novos) chegou um casal. Ele, o estereótipo do fazendeiro que toda mulher um dia gostaria de casar: alto, musculoso, óculos estilo aviador, caminhonete. Ela, a típica patricinha que só estava com o cara por causa do dinheiro dele: megahair, muitas joias, corpo resultado de horas de academia. Daí você pensa que eles estavam levando um pittbull, ou um boxer, ou então um blue heeler, não é? Errado! Eles estavam levando um poodle para consulta (na ficha falava que era um sheepdog, mas se aquele animal era um sheepdog, minha vira-lata é um perfeito Pastor Alemão).
A consulta, ao início, corria muito bem: proprietário estava colaborando bem (ele falava que era veterinário, porém só trabalhava com grandes animais e não lembrava nada de pequenos). Sua queixa principal era que o animal estava apático. Ele havia levado outros exames que o cãozinho havia realizado e explicou que ele já teve casos anteriores de erlichiose… Tudo lindo! Quando eu terminei a anamnese as reclamações começaram: “Por que o atendimento aqui demora tanto? A gente chegou ao meio dia e só foi atendido agora!”. Eu, ainda no auge da minha calma e paciência expliquei: “Aqui, por ser um hospital – escola, precisa da supervisão dos professores, além do mais, só estamos com uma residente atendendo, e aqui no ambulatório do lado tem um gato que é considerado estado de emergência, porque corre risco de vida” (era um gato com PIF, mas essa é outra história!), ele se mostrou compreensível e parou de reclamar. Foi coletado sangue para hemograma, e pedimos para o proprietário esperar o resultado sair. Daí o inferno começou pra valer…
Quando o hemograma saiu, com VG de 5%, e a contagem de reticulócitos zerada, a residente chamou o proprietário e explicou pra ele o que estava acontecendo, que provavelmente o animal dele estava com uma anemia aplástica e, que por causa do baixo número do VG, teria que fazer umas transfusão. Ele concordou em fazer, e os estagiários (no caso eu e mais uma amiga minha) ficaram encarregados de achar um doador de sangue. A gente conseguiu esse doador era mais ou menos 16h, e só conseguimos acabar de coletar o sangue, mais ou menos umas 17h (como eu disse, só havia uma residente, e como a cadela que a gente tinha era de um projeto daqui da faculdade, não poderia fazer tricotomia, ou deixar o animal com aparência de “doente”. Preferimos não arriscar fazer uma besteira).
Quando voltamos ao ambulatório, com a bolsa, falando que a transfusão iria durar cerca de 2 horas o cara ficou louco, disse que estava indo embora, que morava em outra cidade, que o atendimento do hospital era muito demorado, e perguntou por que a transfusão demorava tanto (veterinário que entende muuuito, perceba!) . A residente tentou explicar os riscos de deixar o animal no estado que ele estava, e também explicou o porque de demorar tanto. Ele não quis saber, começou a ser grosso com a residente, e disse que era veterinário de grandes animais formado na UEL (fez questão de falar faculdade!), se ele não poderia levar a bolsa de sangue pra casa, e fazer a transfusão lá. Nesse instante a reação de todos foi algo do tipo: “WHAAAAAAAAT????” mas ficamos de conversar com a coordenadora do hospital para autorizar… Quando encontramos ela, a professora estava com um saco que dentro havia dois testículos recém tirados… Contamos todo o rolo com o proprietário e ela só falou uma frase: “Ele não vai levar a bolsa!”. Voltamos e contamos isso pra ele, e como já era esperado, o homem ficou revoltado e começou a gritar com a gente… Nesse tempo o professor da clínica médica apareceu e disse que poderia fazer um atestado, livrando o hospital da responsabilidade de qualquer reação adversa que o animal tivesse . Já eram umas 18h30 mais ou menos.
Enquanto o professor digitava o atestado, fomos coletar uma amostra de sangue para fazer o PCR para erlichia, mas para ajudar mais ainda na revolta do nosso amigo, a estagiária (que não era eu!) resolveu coletar o sangue da cefálica, achando que o volume iria dar… No fim a veia estourou. Depois de ver isso o cara tirou o cachorro da mesa, falou que ia embora e bateu a porta do ambulatório quando saiu.
Depois de conseguir irritar um hospital INTEIRO, ele foi pagar pelos materiais utilizados, e pra variar, foi de uma delicadeza incrível com a secretária, e começou a gritar na frente do hospital xingando tudo e todos. Nessa mesma hora (eram umas 19h aproximadamente) estava chegando um Pastor Alemão da Policia Militar, em uma viatura da policia, o policial viu toda a movimentação, e aquela pessoa delicada gritando na secretária, e falou uma única frase que fez o proprietário se retirar com o rabo entre as pernas: “Tá acontecendo alguma coisa por aqui?” “Não senhor, já estava de saída”.
E a mulher que estava acompanhando ele? Ficou com uma vergonha tão grande do acontecimento que tentava tirar o marido daquele lugar o mais rápido possível.
Hoje eu não sei o que aconteceu com o “sheepdog”, mas eu espero que esteja bem.
Bárbara da Costa Osório
Bárbara é acadêmica do 4º ano de Medicina Veterinária na UNESP, Campus de Araçatuba.