Todos nós ficamos sabendo da maior operação da história da PF ocorrida na Sexta-feira dia 17/03/17. Diversos servidores públicos do MAPA (Ministério da Agricultura) foram presos e empresas tiveram mandados de busca e apreensão. O que está havendo com a indústria da carne? Devemos temer ou foi apenas um caso isolado?
Passado-se alguns dias, alguns esclarecimentos chegaram à tona como a questão do papelão em embutidos cárneos, cabeça de porco na linguiça, uso de ácido ascórbico para “maquiar” produtos estragados, etc. (leia mais aqui). Todavia a notícia abalou o país, gerou desconfiança no consumidor e certo descrédito às empresas alimentícias. Através desse post quero mostrar que lições podemos tirar desse ocorrido e peço ao leitor que acompanhe meu raciocínio até o final.
Na minha opinião existem três grandes lições que podemos tirar aqui como estudantes ou graduados em Medicina Veterinária, que são:
- O conhecimento técnico em operações específicas não pode ser desprezado.
- O poder da internet e redes sociais (para o mal).
- Não tomar conclusões precipitadas antes de acusar algo/alguém.
1. O conhecimento técnico em operações específicas não pode ser desprezado.
Desde a deflagração da operação tenho estranhado algumas acusações, como a do papelão por exemplo. Na transcrição do áudio do relatório da PF (Polícia Federal), é possível perceber a conversa entre dois funcionários da empresa investigada:
“Funcionário 1 – O problema é colocar papelão lá dentro do CMS [matéria-prima para a produção de embutidos] também, né?… Tem mais essa ainda… só que não dá pra mim tirar. É… eu vou ver se eu consigo colocar em papelão. Agora, seu eu não consegui em papelão, dai eu vou ter que… condenar.Funcionário 2 – Ai tu pesa tudo que nós vamos dar perda. Não vamos pagar rendimentos isso”
Dentro de um frigorífico existem muitos jargões (linguagem viciada) e só quem trabalhou/estagiou em um, sabe o que estou dizendo. Trabalhei por quase 4 anos em um abatedouro-frigorífico de frangos e costumávamos dizer que quando acumulava muito serviço estávamos “frangados”. De fato, não faz sentido essa palavra para quem a ouve fora do contexto mas justamente por isso é um jargão, ou seja, uma terminologia técnica ou dialeto comum a uma atividade ou grupo específico, comumente usada em grupos profissionais ou socioculturais. Quando eu ia ao setor da CMS, apenas dizia aos colegas “estou indo no CMS”. Ora, isso não quer dizer que estava prestes a mergulhar numa massa proteica e sim que estava me dirigindo a uma área específica. Avaliando o áudio acima, percebe-se claramente que o funcionário ao falar de levar papelão dentro do CMS, refere-se ao setor e não à massa. Isso é ratificado quando ele diz “vou ver se eu consigo colocar EM PAPELÃO”. Sim, está se referindo em colocar o saco de CMS numa caixa de papelão. Observe a foto abaixo e veja como é um saco de CMS (cor azul).
Após congelada, essa carga é acondicionada no caminhão em “carga batida” (outro jargão), isto é, quando os blocos são colocados no caminhão um por um, resumindo ficam empilhados. O fato de quererem levar papelão para o (setor) CMS, nos remete a pensar que queriam deixar o saco com as bordas mais regulares a fim de que os blocos se comportem melhor no container. Então chego à conclusão de que buscavam colocar o saco de CMS em caixa de papelão e não papelão em CMS. Uma grande falha de interpretação!
Essa grande falha de interpretação, é a justificativa do tópico 1. A própria Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), por nota, disse que devido “sua repercussão e polêmica, a “operação Carne Fraca” tornou-se uma clara demonstração de como o conhecimento técnico e o saber científico, em todas as etapas da investigação, não podem ser deixados de lado em favorecimento dos aspectos subjetivos da investigação criminal. A atuação adequada dos Peritos Criminais Federais nas demais etapas do procedimento investigatório, e não apenas no seu início e na sua deflagração, teria propiciado a correta interpretação dos dados técnicos em apuração, assim como a definição dos procedimentos técnico-científicos necessários para a materialização de crimes de fraude alimentar eventualmente cometidos pelas indústrias sob suspeição. Além disso, sem sombra de dúvida, teria poupado o país de tão graves prejuízos comerciais e econômicos“. Houve equívoco em interpretações e certamente um profissional capacitado não só tecnicamente mas com experiência na indústria cárnea, poderia ter dado rumos mais coerentes à operação.
2. O poder da internet e redes sociais (para o mal)
Você já deve ter ouvido: “Cristo perdoa, mas a internet não”. Eu sou da geração dos “sem internet”, pois nasci em 1987. A internet iniciou-se no Brasil em Setembro de 1988 mas no final de 94, ela ultrapassou as fronteiras acadêmicas e começou a chegar aos ouvidos de muitos brasileiros, tendo um boom em 1996. Eu fui ter um computador com internet somente após 2001 e nesse caso a internet era discada (um simples download demorava horas). Em 11 de Setembro de 2001, no atentado terrorista aos EUA, eu acompanhei tudo pela TV e não tínhamos You Tube, Facebook, Instagram, Twitter, SnapChat para desabafar nossos sentimentos ao mundo. Hoje os tempos mudaram! Qualquer evento com repercussão nacional ou internacional, temos uma interação quase que imediata aos acontecimentos. Mas vamos refletir sobre o poder da internet para o mal … Na minha infância/adolescência em que vivi sem a internet, é óbvio que eu ficava indignado com notícias impactantes e também comentava entre amigos e familiares o que pensava a respeito daquilo, muitas vezes com discurso de ódio, preconceito e temor, pois estava tomado de um sentimento e precisava compartilhar com alguém. Acontece que eu não tinha um poder de alcance de milhares de pessoas de uma só vez e sim uma roda de 10 a 20 pessoas. Os tempos mudaram … além da minha opinião poder atingir milhares de pessoas de uma só vez, hoje ela fica gravada e pode ser compartilhada inúmeras vezes. E é aí que mora o poder da internet para o mal. Hoje temos que ter um autocontrole maior do que eu deveria ter em meados do século XX, afinal quando manifestamos uma opinião ou compartilhamos algo que ainda não há comprovação, boatos se espalham e alguém nessa história sai muito prejudicado.
Isso aconteceu com o caso da Carne Fraca. A PF errou na forma de divulgar para a população, a mídia sensacionalista aproveitou para ganhar likes e as pessoas começaram a divulgar inúmeros memes, vídeos e postagens indignados com a indústria da carne. No dia do ocorrido fiz um vídeo para minha página do Facebook Segurança de Alimentos dizendo que eu estava preocupado com aquilo que foi noticiado, mas que tínhamos que ter cautela em falar sobre o ocorrido até que os fatos fossem apurados. Evidente que isso não adiantou … Acredito que estamos vivendo uma era pré Black Mirror (série do Netflix).
3. Não tomar conclusões precipitadas antes de acusar alguém
Este item 3 está atrelado ao item 2. Diante do poder da internet de destruição da imagem de algo/alguém temos uma grande responsabilidade nas mãos, a de não tomar conclusões precipitadas para propagar somente a verdade. Eu já escrevi sobre isso aqui (Notícias e as redes sociais. Posso confiar?) onde evidenciei que:
- investigamos pouco o que é postado nas redes sociais;
- nem toda pesquisa científica divulgada é fidedigna.
Sobre o caso da Carne Fraca procurei entender o que estava acontecendo antes de emitir minha opinião nas redes sociais. Buscando mais informações, consegui ter acesso ao relatório de mais de 300 páginas da Justiça Federal (leia aqui) a cerca das acusações evidenciadas na operação. Logo percebi que tratava-se de uma investigação no âmbito de corrupção sistêmica dentro do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e ponto final!
Somos formadores de opinião para sociedade e qualquer palavra que proferimos é dada como verdade absoluta para muitas pessoas. Buscar sites confiáveis é importante, mas ponderar as informações e rastrear as referências são atitudes cruciais. A superficialidade das análise de dados (conteúdo) atingiu todas as classes sociais e educacionais. Que possamos rever nossas atitudes ao ler e gerir as informações, principalmente aquelas que circulam este espaço chamado internet.
Conclusão
Sabe quando você liga a TV em programas sensacionalistas onde o assunto é somente assalto, roubo, assassinato? Você fica até com medo de sair de casa pensando: “eu serei o próximo”. Exatamente assim estou vendo com o caso #CARNEFRACA. Devido problemas pontuais e a mídia generalizando, os consumidores se sentiram paralisados e com medo de ir às compras. É tempo de lembrar que estamos passando por uma grande reforma no país e corruptos estão caindo um a um. Justiça seja feita! O que não podemos é colocar em descrédito os anos de trabalho do produtor rural, juntamente com empresas que investem milhões de reais em genética e nutrição buscando otimizar os índices zootécnicos. O Brasil tem prestígio pela qualidade da sua carne dentro e fora do País. Engraçado é que houveram escândalos de carne de cavalo (em lasanha com carne bovina) na Europa, mas a população não saiu atacando sua própria nação, simplesmente os culpados foram condenados. Por que estamos colocando em descrédito o bem mais precioso que temos, que gera milhões de emprego e faz nosso PIB se manter estável? Precisamos retomar a confiança e cobrar da justiça punição dos culpados e não denegrir a imagem do agronegócio. #reflexão
Boa noite! Humberto, sou veterinário e tenho uma dúvida. Gostaria de saber se um perito criminal federal pode acumular 2 empregos? Caso tenha um consultório, é obrigado a fechar?