Quando eu estava no colégio, sempre fui um dos melhores alunos da sala. Nunca tive dificuldades nas provas ou mesmo em passar de ano, bastava ler a matéria uma ou duas vezes que eu ia super bem. Mesma coisa durante o vestibular. Na faculdade eu já não era o melhor aluno da sala, mas ainda assim conseguia me destacar pelo número de projetos e estágios que realizava e era extremamente motivado com tudo isso. Porém, na residência e depois de formado, tudo começou a mudar.
Após ter me formado e passar na residência, percebi que a vida de apenas “estudar para as provas” havia realmente ficado para trás. Aqui era muito diferente e o nível de cobrança aumentado exponencialmente. Enquanto estudante eu não tinha muitas dificuldades em me sobressair, na residência eu tinha que dar o meu máximo para conseguir competir com meus colegas – e nem sempre eu conseguia. E, veja bem, quando eu digo competição é no bom sentido da coisa, afinal, meus colegas eram médicos veterinários excepcionais e também haviam passado em um dos programas de residência mais concorridos do país.
Para começar a carga horária da residência era de, no mínimo, 60 horas semanais. Em dias de plantão, chegávamos a passar mais de 12 horas seguidas no hospital em atendimento a emergências. Não era raro atendermos mais de 20 casos emergenciais em um único dia (o atendimento era em dupla). A cobrança por resultados pelos professores era intensa. E não só por professores, mas por outros residentes também. Fiz residência em reprodução de animais de companhia e, embora eu seja pau pra toda obra em qualquer cirurgia de tecido mole, era excruciante ver algum colega me julgando por não saber sobre determinada condição relacionada à clínica médica, por exemplo. E esse tipo de julgamento profissional é o que mais pesa. Você acha que nunca será bom o suficiente.
Isso tudo aliado à falta de recursos do tutores, alta carga sentimental inerente à nossa profissão e, principalmente, à minha autocobrança gigantesca em querer ser o melhor quase me levou ao colapso emocional uma semana antes das minhas férias de R2. O sentimento era uma mistura desesperadora de impotência, indignação e agressividade. O pior de tudo era saber que eu mesmo estava me sabotando com isso, mas não saber como reverter a situação. Até minha namorada comentou comigo há algum tempo atrás “eu não via a hora de você terminar essa residência, havia dias em que você estava insuportável”. Eu sempre puxei muito a responsabilidade de tudo o que acontece à minha volta para mim mesmo (locus interno), agora, pergunta se eu procurei ajuda?
A Síndrome de Burnout é caracterizada como um distúrbio depressivo aliado a um estado de esgotamento físico e mental cuja causa esteja intimamente ligada à vida profissional. A verdade é que eu passei por isso durante a residência e apenas a utilizei como um exemplo, mas tenho certeza que isso acontece com grande parte dos veterinários, independente de onde trabalha.
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Em um estudo realizado com 37 residentes da área multiprofissional, em Santa Maria, observou-se que 37,84% apresentaram alta exaustão emocional; 43,24% alta despersonalização e; 48,65% baixa realização profissional, além de que 27% apresentaram indicativo para Síndrome de Burnout [1]. Em outra pesquisa realizada com médicos, 95,8% apresentaram altas taxas de cansaço mental e metade dos participantes apresentaram critérios para Burnout [2]. Mesmo na América do Norte, quando equipes de medicina veterinária foram entrevistadas, cerca de 22,4% dos participantes apresentaram alto risco de exaustão e 23,2% alto risco de cinismo [3].
A questão que eu quero salientar não é que devemos promover “a paz mundial” em nossa profissão, mas sim reconhecermos quando estamos fadigados e procurarmos tratamento para isso. Não raro eu vejo colegas apresentando sinais de colapso emocional e negando veementemente que haja qualquer problema. Eu passei por isso apenas durante os 2 anos de residência, mas fico imaginando quem vivencia no ambiente de trabalho atual e não tem por onde escapar.
O estresse é inerente a qualquer profissão de alto desempenho, não tem como fugir. Mas existem coisas que podemos utilizar como válvula de escape e que podem ajudar muito, terapia é uma. Além disso, quando foi a última vez que você fez alguma coisa de que realmente gosta? Quando foi a última vez que você realizou atividade física ou tirou um final de semana para não fazer nada? Enfim, eu sei que nosso trabalho é importante, mas nós, médicos veterinários, precisamos aprender que não somos deuses e que nosso corpo também precisa de um descanso :).
Referências:
[1] GUIDO, L. A.; SILVA, R. M.; GOULART, C. T. et al. Síndrome de Burnout em residentes multiprofissionais de uma universidade pública. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 46, n. 06, p.1477-1482, 2012.
[2] FABICHAK, C.; SILVA-JUNIOR, J. S.; MORRONE, L. C. Síndrome de Burnout em médicos residentes e preditores organizacionais do trabalho. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 12, n. 2, p. 79-84, 2014.
[3] MOORE, I. C.; COE, J. B.; ADAMS, C. L.; CONLON, P. D.; SARGEANT, J. M. The role of veterinary team effectiveness in job satisfaction and bournout in companion animal veterinary clinics. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 245, n. 5, p. 513-524, 2014.