Artigos, Opinião

Medicina veterinária: profissão “prostituída” ou profissionais pouco qualificados?

Não é novidade para os estudantes e para os médicos veterinários  que a nossa profissão está muito saturada, alguns diriam até mesmo prostituída, principalmente na área de clínica de animais de companhia. Nós já abordamos a situação neste artigo sobre o mercado de trabalho. Também já expressei minha opinião sobre a quantidade exorbitante de cursos de medicina veterinária no país, muitos de qualidade duvidosa (clique aqui para ler). Porém, acabaram de nos questionar: vocês falam muito sobre a degradação da profissão, mas qual solução vocês propõem? A verdade, amigos, é que não existe solução fácil, tampouco de curto ou médio prazo. Apenas resolvi escrever este artigo para reflexão e para que possamos abrir um canal de discussão saudável nos comentários.

A primeira questão que eu reitero é a enxurrada de novos médicos veterinários despejados no mercado de trabalho todos os anos. Não quero entrar no mérito da maior acessibilidade ao ensino superior que o país teve nas últimas décadas, o que é ótimo, mas é evidente que mais de 250 faculdades, formando milhares de profissionais, não contribuiria para melhorar a situação da nossa profissão. E quando eu me refiro à nossa profissão, me refiro principalmente à área de pequenos, que recebe cerca de 60% a 70% destes profissionais. No final das contas, a verdade é uma só: o MEC só quer saber de números, e está pouco se importando com a qualidade do ensino no país.

A partir do momento que nós temos milhares de novos profissionais no mercado, muitos sem formação adequada, estes precisam trabalhar – principalmente aqueles que financiaram parte de sua faculdade e precisam pagar este financiamento, que pode chegar na casa dos 6 dígitos. Aí a bola de neve começa e vários necessitam entrar na corrida dos ratos pela sobrevivência, brigando com colegas por trabalho e, principalmente, por preço. Quem nunca viu um anúncio de emprego para médico veterinário pagando só comissão? Aqui em Londrina mesmo, a média de plantão é cerca de R$150 a R$200, por 12 horas de trabalho! Contei isso para um amigo que faz bicos de garçom e ele riu da minha cara, dizendo que faz isso em uma noite, em 6 horas trabalhadas. O problema não é nem o valor pago, mas é gente se conformando e dizendo “mas tá pagando muito bem, aqui eu trabalho por X…”. Uma coisa eu digo: eu posso até trabalhar por esse salário para sobreviver, mas jamais me conformarei e me contentarei com isso.

[mnky_ads id=”1515″]

 

Aí a gente pensa “ah, mas quem paga isso é o dono da clínica, ele que quer pagar pouco” e novamente colocamos a culpa em um colega de profissão. A gente esquece que as terras tupiniquins possuem cargas tributárias exorbitantes e que empreender por aqui é um desafio gigantesco devido à alta burocracia do estado brasileiro. Porém, de qualquer forma caímos novamente na saturação do mercado: se você não aceita aquele emprego, com certeza outra pessoa aceitará. Isso tudo aliado a sindicatos que não protegem e CRMVs que não dão conta da demanda de fiscalização, só piora a situação.

Aliás, já percebeu como nossa classe é extremamente desunida? Não é raro um profissional falar mal do tratamento do colega para o tutor. Nós não encaminhamos um paciente com medo de perder o cliente. Não contratamos anestesiologistas porque o ketapum resolve (e há aqueles que fazem isso e ainda dizem amar os animais). Não há defesa entre nós, muitos ignoram o código de ética, divulgam promoções de serviços na tentativa de atrair mais clientes. Se nós fossemos mais unidos acho que tudo seria bem diferente.

Muita gente fala “o mercado se adapta, o médico veterinário ruim não vai encontrar espaço”, o problema é que esse médico veterinário ruim ainda é médico veterinário e aí vemos as barbáries que acontecem diariamente e que denigrem ainda mais a profissão para o público geral, que já é péssima. Ao invés de nivelar por cima, nivelamos por baixo. Concordo com a tese de que o futuro é a especialização e que essa é uma ótima alternativa para a saturação do mercado. Porém, é importante frisar que uma especialização qualquer latu sensu não sai por menos de 20 mil reais. Para aquele profissional que ainda está lutando lá na corrida dos ratos esse sonho é um tanto quanto difícil. Aliás, é por isso que eu defendo tanto a residência aqui no blog.

Tudo isso alimenta ainda mais outro fator importantíssimo: o péssimo reconhecimento da nossa profissão perante a sociedade. Aposto que você já teve algum parente que torceu o nariz quando você disse que iria ser médico(a) veterinário(a). É triste ver alguém que tem condições financeiras questionar você e perguntar “tudo isso por uma simples castração?”. Uma coisa é certa: precisamos aprender a vender o nosso peixe, mas isso é papo para outra conversa. O que não podemos é menosprezar o nosso trabalho e cair no conto “ahh, mas fulano faz pela metade do preço”. Lembre-se: nós não vendemos um produto e sim um serviço. Qual é o valor do seu serviço?

Mas e aí, depois desse textão todo, qual é a solução?

Já questionaram a gente sobre o modo que tratamos o baixo reconhecimento da medicina veterinária e que isso poderia prejudicar a forma com que as pessoas viriam a profissão. Porém, é importante salientar que o blog e nossas páginas são destinados a médicos veterinários e estudantes. E nós acreditamos que não podemos fechar os olhos sobre o assunto, é por isso que o tratamos sem rodeios, mas sempre tentamos fazê-lo com bom humor.

O CFMV parece querer voltar com os exames de certificação profissional, assim como já acontece na OAB. Mas, pra mim, isso é apenas uma solução a curto prazo, algo como tentar tapar o sol com a peneira. Um amigo, advogado, me confidenciou uma vez “O exame da Ordem é só uma triagem. Como o mercado não comportaria todos os novos profissionais, a OAB faz o exame como uma tentativa de regular o mercado. Eles só passam uma porcentagem que seja interessante para eles”. De qualquer forma, pelo menos pode ser um começo. A verdade é que no final das contas, em uns 10 ou 15 anos, o mercado vai se arranjar e estes milhares de médicos veterinários formados provavelmente deixarão a profissão. Já não são um ou dois colegas que eu conheço que abandonaram a veterinária para fazer Uber, por exemplo. O problema, mais uma vez, será a degradação que a profissão sofrerá até lá.

Para a quantidade de profissionais, infelizmente não vejo solução simples. Entretanto, estou confiante com o reconhecimento da medicina veterinária pela sociedade. As pessoas estão realmente cada vez mais conscientes do que é certo ou errado. Porém, é preciso frisar que a mudança tem que vir de nós. Não existe fórmula mágica enquanto nós mesmos não dermos conta de que não somos simples atendentes de balcão de jaleco. Os pets já fazem parte da família, com muito trabalho podemos virar o jogo. Já individualmente falando, em um mercado competitivo só a qualificação profissional pode fazer a diferença, e aí, infelizmente é cada um por si. Mas e você, o que acha disso tudo? Poste a sua opinião nos comentários e vamos discutir sobre o assunto!

Previous ArticleNext Article
Criou o Vet da Deprê em 2011, quando ainda estava na faculdade. Hoje é Mestrando em Ciência Animal pela Universidade Estadual de Londrina. Gosta muito de marketing digital, é cachorreiro nato e não dispensa um bom livro. Instagram: @lgcorsi

6 Comments

  1. Sou formada há 10 anos. Vi a medicina veterinária evoluir muito nesse espaço de tempo. Porém digo que com toda a certeza a culpa de tudo isso é do próprio veterinário que aceita se prostituir, uns por não terem opção mesmo e outros que para captarem clientes não colocam preço em seus serviços o os fazem de forma anti-ética. Tudo custa dinheiro para adquirirmos e muuuito dinheiro. Quando um serviço é muito barato, pode desconfiar!!
    Não acho que uma prova de seleção vai resolver o problema. O grande desafio está na mentalidade de cada profissional em mudar a sua conduta.

  2. Eu acho que a área esta crescendo cada dia mais, e hoje se vc fazer uma leve pesquisa temos mais animais de estimação do que crianças
    Porém eu acho que nós médicos devemos nos unir e lutar por aquilo que achamos certos, pois ficar dependendo de sindicatos, vamos só continuar aonde estamos, eles vão sempre tampar com a peneira tudo
    E temos chances sim de ser reconhecido que nem um médico de só uma espécie , mas para isso devemos nos unir e lutar pelo mesmo direitos que eles, pois ficar esperando o milagre cair do céu vamos ficar reclamando ate o final de nossas vidas

  3. Oi! Sou Médico Veterinário desde Jan/2001 (quando colei grau e peguei meu CRMV). Também lutei pela classe ainda como estudante participando do Movimento Estudantil (C.A./D.A., ENEV, etc). Muita coisa mudou de lá para cá, mas uma coisa não mudou: a desunião da classe, o individualismo e o desprezo pelas entidades representativas (CFMV, CRMV, Sindicatos, Associações, etc). Muitos até criam associações locais, mas não participam de chapas do CRMV. Muitos reclamam do CRMV e sequer leram o código de ética (que mudou 3 vezes em 20 anos). Um músico sábio já dizia: “a mudança começa com o homem (ou mulher) no espelho”. Creio que sermos mais participativos e coletivistas nos ajudará a encontrar o caminho. O CFMV (antiga chapa dinástica) recusou 3 pedidos de cassação no estado de Goiás (isso só lá) nos ultimos 4 anos. Hoje temos um CFMV novo. Renovem suas regionais também. Unam-se, montem chapas. Cruzar os braços e reclamar não muda a realidade. Ah! E não sou e nem nunca fui (ainda) membro de conselhos de veterinária. Defendo a ideia pois me dei conta ao ministrar Deontologia do quão importante são nossas resoluções e legislação. O que falta é participação e ideias novas.

  4. Me formei no ano passado (2018) e quando me deparei com o mercado veterinário na minha cidade, fiquei extremamente assustado, parecia um campo de batalha. Logo na minha primeira entrevista de emprego os donos da clinica (ambos Médicos Veterinários) me falaram “sei que você tem contato com o Dr. Fulado e Dra. Ciclana, e eles são nosso INIMIGOS (pasmem foi essa a palavra usada por ele”, e foi assim por um curto período de tempo, ouvindo que tinham que ver esses outro colegas de profissão como rivais e não como companheiros. E não parava aí, além do “acordo salarial” ser bem inferior do que a legislação diz que deveria ser, chegando ao ponto de recebermos R$ 13,50 por um plantão de 24h, em grande maioria das vezes os veterinários clínicos tinham que passar suas receitas por Whatsapp para a dona da clinica para que ela pudesse autorizar ou não o tratamento (tirando totalmente a autonomia dos profissionais). Durante o tempo que passei nesse estabelecimento, que não demorou muito para fechar, tive a maior carga de estresse da minha vida, e cheguei ao ponto de desistir da medicina veterinária. Pra mim foi extremamente frustrante ver profissionais extremamente qualificados, que já passaram o mesmo que nós em inicio de carreira, tratando colegas de profissão como inimigos, desvalorizando o serviço dos colegas, praticando assédios morais o tempo todo. Enquanto as escolas de veterinária não passarem a ter mais enfoque em disciplinas como a Deontologia e abordar mais temas como a ética profissional e os CRMV ‘s passarem a fiscalizar mais as condições de trabalho dos profissionais vai ser difícil a nossa profissão ser valorizada. Se nem os Médicos Veterinários valorizam outros Médicos Veterinários, quem vai nos valorizar?

  5. Estou com 20 anos de profissão infelizmente não recomendo minha profissão aos meus filhos. Sou proprietário de clínica veterinária mesmo assim é difícil ganhar dinheiro
    Falta cliente.

  6. Eu acredito que os conselhos regionais precisam colocam um limite na quantidade de vagas oferecidas todos os semestres nas universidades e faculdades, na faculdade que eu estudei , no ano de 2015.1 foram abertas duas turmas com 50 alunos cada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *