Poliana Pacheco

Médica Veterinária pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Produção Animal Sustentável pelo Instituto de Zootecnia de São Paulo. Atualmente é aluna de doutorado da Universidade de São Paulo - Centro de Energia Nuclear na Agricultura e bolsista FAPESP. Atua na linha de pesquisa de resistência anti-helmíntica a ivermectina, albendazol e verminose em ovinos. Seu projeto de pesquisa atual aborda o incremento de eficácia de ivermectina em Haemonchus contortus por ação de compostos fitoquímicos in vitro e in vivo.

A ivermectina pode matar o novo Coronavírus?

Olá pessoal, esse texto simples é uma sugestão para compreensão do estudo recente sobre o uso da Ivermectina como inibidor do SARS-Cov-2 (Coronavírus). Você pode acessar o artigo original “The FDA-approved Drug Ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro” clicando aqui.

É importante entender que se trata de um estudo in vitro, ou seja, os estudos in vitro são feitos de forma controlada fora do organismo de um ser vivo. As vantagens incluem a biossegurança em laboratório, a uniformidade dos resultados observados e, em alguns casos, a rapidez em se obter os resultados. Já a principal desvantagem é que alguns estudos podem ter uma certa desconformidade com o que ocorre dentro de um sistema vivo onde há reações e interações constantes entre todas as moléculas presentes neste sistema. No caso deste estudo, os autores avaliaram os efeitos da ivermectina sobre cultura de células – VeroHSLAM (1) que, mesmo não sendo de origem humana, representa uma cultura de células frequentemente utilizada em estudos sobre diferentes vírus (2). Os autores observaram que o tratamento com ivermectina após 24 h resultou em uma perda efetiva do material viral sobrenadante comparado com o controle (DMSO ou dimetilsulfóxido – composto muito utilizado como solvente), e em 48h houve perda de praticamente todo o material viral, além de que não observaram toxicidade causada pelo composto. Ou seja, a ivermectina não provocou efeitos nocivos às células veroHSLAM.

A ivermectina utilizada nestes estudos é o composto purificado como padrão de análise (notem que utilizaram 5 micromolar) e aparentemente foi dissolvida em DMSO, pois este foi utilizado como controle. Não é simplesmente a Ivermectina da farmácia, o Ivomec, ou qualquer outro nome comercial cujo princípio ativo seja a Ivermectina. Vetcolegas por favor gravem isso, isso é o mais importante neste texto! Vamos fazer a nossa parte, não sejamos negligentes em divulgar que um medicamento é simplesmente eficaz causando histeria na população e esgotamento do produto no mercado.

Esses pontos são essenciais pois a falta de informação detalhada pode gerar a falsa conclusão de que existe uma droga prontamente disponível para ser utilizado no tratamento da CoVID-19. É importante ressaltar que a fabricação e liberação de medicamentos humanos e veterinários requer pesquisas e estudos de eficácia e segurança clínica. A ivermectina já detém tais estudos, pois é um medicamento com segurança clínica para uso em humanos e animais atestada pela FDA/USA – Food and Drug Administration (3), no entanto, a eficácia contra o SARS-Cov-2 precisa ser melhor investigada, como os próprios autores sugerem na conclusão do artigo.

É preciso ter senso crítico quando lemos artigos científicos, mas também é preciso enaltecer as pesquisas, em especial esta que traz uma abordagem a respeito de uma droga usualmente antiparasitária e que já demonstrou eficácia in vitro contra vírus da Dengue, HIV, Zika, doença de Newcastle entre outros agentes virais (4). Os resultados apresentados por Caly et al. (2020) reforçam o potencial terapêutico da ivermectina, favorável a maiores investigações.

Agora quero contar a história da descoberta da ivermectina, que eu particularmente amo! A ivermectina é um composto da classe das lactonas macrocíclicas e foi descoberta na década de 60 por um grupo japonês liderado por Satoshi Omura, que pesquisava cepas de microrganismos do gênero Streptomyces presentes no solo e conhecidas por produzir compostos com atividade antimicrobiana. Omura isolou e cultivou estas cepas em laboratório e selecionou pelo potencial terapêutico.  Em pesquisas com algumas destas cepas, o pesquisador americano William Campbell verificou a eficácia contra parasitas e a ivermectina se tornou o principal composto utilizado contra oncocercose (cegueira dos rios) e filariose (elefantíase). O impacto desta pesquisa é notável principalmente nos países mais pobres onde a dificuldade de prevenir e tratar doenças parasitarias produz resultados dramáticos. Os principais envolvidos nesta pesquisa: Omura e Campbell receberam o prêmio Nobel em 2015 (5).

Finalizando essa análise simplista, quero destacar a importância da ciência. A história da ivermectina ilustra bem como a ciência é importante para todos.

Pesquisadores que trabalharam em 1960 e cujas pesquisas impactaram a vida de muitas pessoas nos anos subsequentes, podem continuar impactando significativamente em 2020.

A ciência funciona como peças de lego, uma rede de pessoas que disponibiliza seus recursos intelectuais e sua força de trabalho para construção de uma peça. Oferecemos nosso tempo e a nossa vida em prol de algo em que acreditamos, pois um dia essa peça será importante na construção de algo grandioso.

Sigamos esperançosos de que a ciência nos trará bons resultados em breve, como um protocolo de tratamento e uma vacina.

Me coloco a disposição para discussão, sugestões e outros assuntos relacionados a este e outros artigos.

 

Poliana Araujo Pacheco

Médica Veterinária Msc.

Aluna de Doutorado da Universidade de São Paulo – Centro de Energia Nuclear na Agricultura – Piracicaba/SP.

Bolsista FAPESP/ Projeto: Incremento da atividade anti-helmíntica da ivermectina pela ação sinérgica de compostos fitoquímicos em Haemonchus contortus

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